Cyberespaço

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Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo

Lucia Santaella

Desde o surgimento dos novos suportes e estruturas para o texto escrito, notadamente o CD-ROM e a estrutura hipermídia, a história do livro e da leitura tem despertado grande interesses em pesquisadores de áreas diversas do conhecimento. Esse interesse intensificou-se com a proliferação crescente das redes de telecomunicação, especialmente a Internet, rizomaticamente todos os pontos do globo. Nesse contexto, junto com as promessas de universalidade intercâmbio internacional de idéias pregadas pelos utopistas, tem surgido também muita angústia diante das incertezas quanto ao desaparecimento da cultura do livro. Será que o livro no seu formato atual, feito de papel, está fadado a desaparecer como desapareceram os rolos de papiro?

A leitura é também hábito e, por isso mesmo, é a leitura de muitos livros, sempre comparativa, que faz emergir a biblioteca vivida, a memória de livros anteriores e de dados culturais (Goulemot 1996: 113). “Ler é cumulativo e avança em progressão geométrica: cada leitura nova baseia-se no que o leitor leu antes” (Manguel, 1997: 33).

A leitura do livro é, por fim, essencialmente contemplação e ruminação, leitura que pode voltar às páginas, repetidas vezes, que pode ser suspensa imaginativamente para a meditação de um leitor solitário e concentrado.

Em resumo, esse primeiro tipo de leitor é aquele que tem diante de si objetos e signos duráveis, imóveis, localizáveis, manuseáveis: livros, pinturas, gravuras, mapas, partituras. E o mundo do papel e do tecido da tela. O livro na estante, a imagem exposta, à altura das mãos e do olhar. Esse leitor não sofre, não é acossado pelas urgências do tempo. Um leitor que contempla e medita entre os sentidos, a visão reina soberana, complementada pelo sentido interior da imaginação. Uma vez que estão localizados no espaço e duram no tempo, esses signos podem ser revisitados. Um mesmo livro pode ser consultado quanta vez se queira, um mesmo quadro pode ser visto tanto quanto possível. Sendo objetos imóveis, é o leitor que os procura, escolhe-os e delibera sobre o tempo que o desejo lhe faz dispensar a eles. Embora a leitura da escrita de um livro seqüencial, a solidez do objeto livro permite idas e vindas, retornos, resignificações. Um livro, um quadro, exige do leitor a lentidão de uma dedicação em que o tempo não conta.

a modernidade corresponde a um novo estágio da história humana, "época em que as formas de experimentar e sentir a realidade e a vida sofreram inflexões agudas". Nessa nova realidade, as coisas fragmentam-se sob efeito do transitório, do excessivo e da instabilidade que marcam o psiquismo humano com a tensão nervosa, a velocidade, o superficialismo, a efemeridade, a hiperestesia, tudo isso convergindo para a experiência imediata e solitária do homem moderno.

É nesse ambiente que surge o nosso segundo tipo de leitor, aquele que nasce com o advento do jornal e das multidões nos centros urbanos habitados de signos. É o leitor que foi se ajustando a novos ritmos da atenção, ritmos que passam com igual velocidade de um estado fixam para um móvel. É o leitor treinado nas distrações fugazes e sensações evanescentes percepção se tornou uma atividade instável, de intensidades desiguais. É, enfim, o leitor apressado de linguagens efêmeras, híbridas, misturadas. Mistura que está no cerne do jornal, primeiro grande rival do livro. A impressão mecânica aliada ao telégrafo e à fotografia gerou essa linguagem híbrida, a do jornal, testemunha do cotidiano, fadada há durar o tempo exato daquilo que noticia. Aparece assim, com o jornal, o leitor fugaz, novidadeiro, de memória curta, mas ágil. Um leitor que precisa esquecer, pelo excesso de estímulos, e na falta do tempo para retê-los. Um leitor de fragmentos, leitor de tiras de jornal e fatias de realidade.

O aspecto sem dúvida mais espetacular naquilo que vem sendo chamado de “era digital”, na entrada do século XXI está no poder dos dígitos para tratar toda e qualquer informação – som, imagem, texto, programas informáticos – com a mesma linguagem universal, bites de 0 e 1, uma espécie de esperanto das maquinas.

Diferentemente do leitor do livro, que tem diante de si um objeto manipulável, a tela sobre a qual o texto eletrônico é lido não é mais manuseada diretamente, imediatamente pelo leitor imersivo.

Trata-se, na verdade, de um leitor implodido cuja subjetividade se mescla na hipersubjetividade infinitos textos num grande caleidoscópico tridimensional onde cada novo nó e nexo pode conter uma outra grande rede numa outra dimensão. Enfim, o que se tem aí é um universo novo que parece realizar o sonho ou alucinação borgiana da biblioteca de Babel, uma biblioteca virtual, mas que funciona como promessa eterna de se tornar real a cada “clique” do mouse.

Rita de Cássia Neiva Trindade
Pólo: Espinosa

1 comentários:

Rita de Cássia disse...

Gostaria de agradecer todas as pessoas que estão participando deste blog. A interação com vocês é muito importante.

Abraços

Rita

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